Um blog de todos nós. Afinal, pintelhos todos temos... Uns mais, outros menos...

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Paneleiro, pá!!

Hoje, como prometi ao meu self, fui renovar o Bilhete de Identidade de cidadão português, aquele papelucho milagroso que me confere uma meia dúzia de direitos e um meio milhão de deveres. O tal do papel simpático.
Claro que, como se já não bastasse o raio dos deveres inerentes à cidadania portuguesa (que custam a cumprir, não raras vezes), o dia tinha que ser realmente mau. Mau, mesmo. Mau. Péssimo.
Eu explico, Pintelhas e Pintelhos. Eu explico.
Para renovar o documento, dirigi-me, ao final da tarde, ao mágico local que dá pelo nome de Loja do Cidadão. O tal local onde se pode fazer de tudo. Até se podem consumar actos sexuais, naquelas futuristas casas-de-banho. Ou não.
Entrando no edifício onde funciona a dita Instituição, deparei-me com uma montra em cujos vidros estavam coladas fotos de mulheres, supostamente perfeitas, mas com um ar tão plástico que nem davam vontade de comer. Não, Pintelha. Não vás Nunca à Corporación Dermoestetica. Não te quero como brinquedo de crianças. Prefiro-te para mim. Sim. Sou ciumento. Pois sou. E daí?
Em frente. Passado o mau presságio das mulheres de plástico, dirigi-me à porta onde funciona a loja. Na recepção, encontrei um segurança carrancudo que olhava para baixo. As boas maneiras ficaram em casa a tomar banho.Certamente.
Dirigi-me, então, ao local de renovação do B.I.
Chegado lá, tirei a Senha C, pois era a que dava acesso, segundo a maquineta, à "Renovação de Bilhete de Identidade".
Sem ninguém que me demorasse, fui prontamente atendido.

Olhei-o de alto a baixo.
Aparentava uns quarenta anos.
Cabelo encharcado em gel, espetado para trás, como se tivesse sido atingido por ventos ciclónicos, mesmo nas trombas. Aparelho nos dentes. Colete vermelho, cobrindo uma camisa às riscas azuis.
Calças de ganga justas. Um metro e oitenta. Magro. Esquelético.
Agora é que não pode piorar. Fui apanhado. Caralho de dia. Pensei.

- Olá boa tarde! - disse ele, com um sorriso nada enganador nos lábios ("Oh!, Pintelho... Já te comia!").
E fez tudo para que isso se tornasse realidade.
- Sabes... (Sabes?! Que puta de confiança é esta?!) Preciso de duas fotografias tuas...
Fotografias? Eu vim renovar um documento de cidadão. Não vim, certamente, inscrever-me num programa de procura de noivos. Francamente. O que tu queres sei eu...
Mas, e como sou bem educado, lá cedi. Cedi e entreguei as fotos ao homem.
- Ah!, e tal... Agora tens que tirar uma ficha A e comprar os impressos. É que sem os impressos nada feito...
A típica burocracia à portuguesa. Por que carga de água não podia ele próprio levantar o cú e ir buscar a merda dos impressos?! Mas eu compreendi. É que enquanto eu ia comprar os papeluchos (que me custaram os olhos da cara), ele poder-se-ia auto-estimular a olhar para a minha fotografia... O que tu queres, sei-o eu bem, como já disse. Mas não tens sorte.
Voltei.
Preenchida a papelada, e já a desesperar de tanta paneleirice junta, pensei terminar-se o pesadelo.
Não. Ainda havia muito que sofrer. O homem era persistente.
- Pois. Agora vamos-te medir. Vá! Sobe à plataforma que eu já te vou ajudar!
Ora... Claro... Pensei logo no pior. O gajo quer que eu me eleve na plataforma para não ter que se baixar, mas o meu queridissimo pilau não entra em boca masculina. Nem pensar. Nada disso.
Lá obriguei o homem a contentar-se apenas com medir os meus esbeltos e preciosos cento e oitenta e três centímetros e voltar para o gabinete que ocupava.
Mas nem aí ele desistiu.
Pegou-me no dedo, umtou-o com uma mistela negra (que será um qualquer afrodisíaco relacionado com o intestino grosso, para os homossexuais do sexo masculino, digo eu), segurou-me firmemente a mão (e nesta altura entrei verdadeiramente em pânico) e prensou a minha impressão digital num papel.
Não contente com a apaneleirada brincadeira, repetiu-a num cartão de cor apaneleiradamente rota, cartão esse que será o meu futuro documento identificativo. Tenho medo.
Terminada a exposição pública da orientação sexual do homem (pensava eu), largou-me a mão. Para quê? Para me oferecer uma toalhita Dodot para me limpar.
Nessa altura, perdi a minha sanidade mental. Quem é o homem que se limpa a uma toalhita Dodot?! O gajo pensa que me andei a untar com quê? Vaselina, não? Eu não sou como tu, pá...
Saquei de um lenço de papel do bolso de uma senhora transeunte (homem que é homem não usa lenço), de uma garrafa de bagaço (à falta de álcool etílico) e lá me limpei. Mas à homem.
Envergonhado com a cena, pensei poder voltar para casa.
Não.
- Olha, e tal...Preciso do teu contacto telefónico para alguma emergência.
Foi aqui a gota. Aquela que faz transbordar o copo, mesmo quando o copo tem uma capacidade elevada. Não lho dei. Nunca.
Nunca.
- Pronto. Estás no teu direito. Mas olha... Leva este bilhete. Tens aí o meu contacto, 'tá? E Quinta-feira espero voltar a ver-te para vires levantar o cartão.
Como? Como? O homem está é maluco.
A partir de hoje, Pintelhas e Pintelhos, sou efectivamente ilegal. Não irei, claro, levantar o cartão. Por uma questão de princípio. Não é num local de trabalho que se assedia ninguém. E mesmo que fosse, ele devia ter percebido que eu não estou minimamente interessado em experiências homossexuais.
A partir de hoje, e até ao último dia da minha vida, não tenho mais Bilhete de Identidade.

Pintelho

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