O odor do Amor…
O odor do Amor…
Já vai algum tempo desde que te escrevi o último texto.
Também sei, amor, que nada nos obriga a continuar este exercício, e que a qualquer momento podemos deixar de trocar estas cartas, sem prejuízo da relação. Mas esse momento não é hoje. Porque hoje acordei com vontade de contar ao mundo, através de uma carta com um destinatário especial, um episódio que vivi recentemente, que não posso deixar morrer apenas no meu pensamento, que tenho que partilhar com alguém que entenda o que senti, o que vivi, a intensidade de todo aquele instante de horas, a magia de toda aquela eternidade que vai ficar na minha memória marcada de forma indelével, como se os sentidos tivessem a capacidade de captar fotograficamente os momentos aqui ao lado vividos. Hoje, abro a minha carta ao mundo
Aconteceu assim.
Deitei-me naquela noite de Quinta-feira. Estava exausto. Não havia dormido convenientemente durante a semana, agitada, que ainda não terminara. E aquela tarde tinha sido intensa, sentida, vivida como se fosse a última. A única.
Estava prestes a adormecer, sereno e com um sorriso nos lábios e outro no pensamento – o teu. De súbito, num repente, um estranho odor assaltou a minha calma. Era um odor físico, intenso, que eu nunca antes sentira. Um daqueles odores que… Não. Não era apenas um daqueles odores.
Era o aroma do amor. Do verdadeiro amor que há tanto tempo procurava, aparentemente sem sucesso até esse momento.
Não podia ser mais diferente do que eu o imaginara. Era intenso, ferrugento, húmido e, no entanto, não poderia ser mais viciante e excitante.
Um misto de odores corporais, sem máscara, que haviam ficado presos àqueles lençóis, na mesma tarde. As mesmas moléculas incriminatórias, acusadoras, que testemunhavam o acontecido, sem pudor, sem vergonhas e sem tabus. Que insistiam em fazer de algo íntimo um acontecimento público, perceptível a quem entrasse no quarto.
Fechei os olhos, preparado para um sono descansado.
Foi um instante apenas, um click. E viajei.
Acordei no mesmo quarto, na mesma cama. Abraçava-te. A excitação começava a tomar conta de mim. Lentamente, como convém aos apaixonados. Beijávamo-nos, intercalando a paixão com olhares de desejo e cumplicidade, conseguidos às custas de uma relação nascida de intempéries.
Recordo a forma como a tua pele queimada chamou por mim, nesse momento. Um íman que atraía a minha língua, os meus lábios, e as pontas dos meus dedos.
Mas cedo a superfície que me permitias sentir se tornou escassa, e, na minha ânsia por mais, na ressaca que a droga que és me provocava, procurei, por baixo da camisola, o teu peito. Suave mas atrevido, com uma silhueta provocadora, a chamar por um beijo, a pedir para ser acariciado com paixão. Assim o fiz. Para quê resistir?
Camisola no meio do chão, camisolas no meio do chão, e as peles, já a transpirarem sobre o édredon, a tocarem-se, a amarem-se, enquanto a saliva escorria também, pelos corpos um do outro. Pelo teu mamilo, hirto, excitado, abaixo, escorrendo até quase ao teu umbigo. Saliva de um predador esfomeado que não consegue refrear mais um apetite insaciável por uma presa única. Um tesouro do qual não estava disposto a abdicar.
Não resisti mais ao apelo de te acariciar as pernas. Sentei-te na cama, desapertei os botões que preenchiam o cano da bota, e descalcei-tas, quase de forma paternalista. Ajoelhado, com os olhos ao nível da tua anca, parecias maior, mais bela (ainda mais bela), e, mesmo sobre as calças, encostei suavemente os lábios à Marília, como oficiosamente chamamos ao teu sexo. Afinal, não e toda a gente que compra um rato de peluche e o apelida de Marília.
Desencostei os lábios e olhei para cima, para o teu olhar. Os teus braços, esticados, prendiam a minha cabeça contra as tuas pernas, num sinal de excitação crescente. Despi-te as calças, descobrindo as tuas coxas, que tanto me estimulam e excitam. O calor foi aumentando, tornando-se recíproco. Aproximava-se o banquete, e ambos precisávamos de nos saciar. O jejum já ia longo.
Pouco depois, encontrávamo-nos suados, a respirar de forma ofegante, perdidos um no outro e na excitação que nos toldava o raciocínio.
“Estou preparada.”
Acordei.
Inspiro fundo e destrinço os odores que ainda estão tão presentes, passadas todas estas horas, como se tudo tivesse acabado de acontecer, como no sonho. Sinto o teu perfume, novo, acabado de estrear. É o único odor sintético de todo este caos. No entanto, é o responsável pelo toque menos animal de todo o turbilhão. Cheiro o teu suor. Nada tem que ver com o meu. É animal, sim, é selvagem e intenso, mas só se libertou porque nos amámos, porque suámos, porque algo em nós o despertou.
Sinto também o meu suor. Não me envergonho. Vestígio do predador que sou, que procura a fêmea para satisfazer os instintos. Não o nego. Afinal, as origens de todos nós estão neste suor que emanamos, aparentemente tão embaraçoso.
Cheiro a almofada. Tem a mistura do teu shampoo e do creme facial que usas. Por lá andou a tua cabeça, meio perdida, enquanto as sensações mais animais, mais cruas, mais selvagens, nos possuiam. Não me envergonho. Todo este comportamento, aparentemente irracional, reflecte um amor maior, mais forte, mais diferente e único, que jamais ousei imaginar e que, no entanto, sinto como meu, como nosso, e abriu o meu coração em carne viva. Agora sangro abundantemente. Por ti. Para ti,
O único odor que não seria expectável era a ferrugem. Um odor húmido, não muito intenso, que vinha de mais longe. Sangue. Acendi a luz.
A cena de crime em que me deitava deliciou-me. Nunca tive fantasias – nem tenho – com este tipo de cenários. No entanto, sorri. Só a paixão foi capaz de gerar este caos. Esta confusão. E só ela se responsabilizou por deixar provas das quais nunca pudéssemos escapar.
Ao lado da almofada, pequenas manchas de sangue, gotas apenas, dispersas. Um pouco por todo o lençol. Junto ao local onde a tua pélvis havia repousado, contudo, uma mancha bastante maior emanava o odor mais intenso de todos. Logo ao lado, notei, quatro dedos ensanguentados haviam deslizado pelo branco do lençol, quase como num sinal de que a batalha havia sido feroz. Olhei as minhas unhas. Ensanguentadas. Nada em nós nos prevenira, e agora, após todas estas horas, após uma penetração que nem culminou num orgasmo, que originou uma dor aguda que te retraiu e te fez deitar no meu peito, sorria por ti. Pela nossa paixão. Pelo delírio de te ter minha, para mim. Pelo delírio de me saber teu, sem emenda, sem marcha-atrás. Pelo delírio da entrega que há muito fiz, do meu corpo, das minhas emoções, de tudo o que quiseres de mim. Sorria por nos saber tão cúmplices, tão íntimos, tão amantes e companheiros. Sou teu.
No entanto, com a face encostada à mancha maior, enquanto cheirava o sangue que te fizera derramar, ansiava. E anseio. Pela próxima oportunidade de ser o predador. De ser a caça e o caçador. Anseio pelo momento em que seremos um, unos, abraçados… Porque este amor que me inunda o peito não pode ser adiado. Porque, paixão, se fiz muito mais com muito mais ténues sentimentos envolvidos, só a fantasia de o fazer por amor, pelo nosso amor, por este amor que não encontra correspondência nas palavras, me faz tremer de ansiedade, prazer, paixão. Nunca o fiz nestas circunstâncias. Não em circunstâncias tão íntimas, tão extremas. Porque te quero. Porque tenho a certeza do quanto te quero, anseio.
Tudo porque as palavras que trocamos, que escrevemos, que dizemos, os beijos que se perdem, os carinhos e os olhares que ficam entre nós, não são suficientes, nem nunca serão, para te fazer compreender o que sinto por ti. Porque nem eu compreendo ainda. Nem compreenderei. Nem tenciono. Tenciono apenas vivê-lo. Por nós. Ser feliz.
Por todos os amores que entre nós existem.