Um blog de todos nós. Afinal, pintelhos todos temos... Uns mais, outros menos...

quarta-feira, setembro 08, 2004

Tese de doutoramento em lojas do chinês, Parte I

Pois é. Haverá questão mais pertinente para abordar nos epidémicos dias que correm que a das lojas do chinês? Creio que não.
Haverá em Portugal cidade ou vila que não tenha, pelo menos, uma loja do chinês?
Será possível que essas lojas consigam sobreviver à custa das (poucas, pensava-se) pessoas com gostos duvidosos existentes à face do nosso país?
E será possivel divertirmo-nos no interior de uma loja do chinês?

Foi para responder a estas perguntas que o Pintelho trabalhou arduamente, quer durante todo o ano, cá na cidade, quer durante o mês de Agosto, na vila onde passou férias. E a primeira conclusão a que se chega é que as lojas do chinês são todas absolutamente iguais. Os vendedores são maioritariamente chineses, se bem que andem sempre acompanhados por um português, cuja função é não permitir que os donos da loja sejam aldrabados. Os produtos expostos são idênticos. a disposição e decoração são as mesmas... Enfim. Entrando numa loja do chinês, conhecem-se as 98750795 lojas do chinês do país.

Numa segunda fase, passei a abordar a questão dos vendedores em profundidade, o que implicou esgotar-lhes com a paciência, fazer de tudo para destruir a loja, gastar as pilhas aos brinquedos, experimentar todos os perfumes e, para cúmulo, sair sem comprar nada.
Neste ponto das investigações as reacções já são variáveis. A primeira constatação é que, num momento inicial, e talvez por estarem deslocados do seu ambiente, sendo, portanto, minoritários, os chineses são pacientes, tímidos, dando a noção que os papéis se invertem. Quem manda nas lojas são os clientes. Mas não abusemos. Em caso de abuso os olhos em bico tornar-se-ão primeiro apreensivos, depois impacientes e, em último grau, dignos de uma fera faminta que está a ver no seu território uma deliciosa presa.

É óbvio que para esgotar com a paciência do chinês é primeiro necessário um certo e determinado procedimento, desde a entrada na loja até à saída. É esse procedimento que a seguir descrevo, numa fase a que podemos chamar de “visita guiada ao monumento” ou simplesmente “turismo”.
Para se começar em grande a visita à loja, é necessário entrar pela porta principal (normal e naturalmente é a única porta que a loja tem, para que os clientes - haverá clientes? - não saiam sem pagar) do estabelecimento. Mas não é uma entrada comum. Devemos entrar com ar despreocupado e descomprometido. A típica pose de quem vai visitar um país estrangeiro, mas não tem cheta nos bolsos, e cujo único interesse é mesmo visitar os monumentos, tocar-lhes, vandalizá-los, mas nada de comprar “recuerdos”. A boa educação, se bem que aplicável, não deve ser usada, pois corremos o risco de cair nas boas graças do vendedor. Portanto, e jogando pelo seguro, é melhor não se cumprimentar o senhor-olhos-de-amêndoa.

Normalmente, nas lojas do chinês, a primeira secção a visitar é aquela a que resolvi chamar de “berloques e penduricalhos”, que é como quem diz, a secção de decoração mais pirosa possível.
Nesta secção, o mais provável é depararmo-nos com milhentas estatuetas de golfinhos em poses acrobáticas, porquinhos em pleno acto sexual, bonecas de porcelana (?) feiíssimas, relógios com ponteiros de todas as formas e feitios, candeeiros com peixinhos de plástico a nadar ou bolhinhas que se formam e desfazem ciclicamente, candeeiros esses com uma forma (pouco) vagamente fálica, candeeiros esses onde já assisti a cenas masturbatórias femininas e homossexuais, relógios-telefones-caixa-de-música-candeeiro-arte-decorativa-tudo-em-um, a peça mais pirosa possível da secção.
Nesta primeira secção, para se testar a paciência do vendedor, as dificuldades são praticamente nulas. Basta pura e simplesmente experimentar a luz de todos os candeeiros, que é como quem diz, acender os candeeiros todos e esquecer de apagar, verificar e acertar todos os relógios, dar corda a todas as caixas de música em simultâneo, criando uma espécie de orquestra em que cada um toca para seu lado, pegar todas as estatuetas, examiná-las minuciosamente, voltando a pousá-las em seguida, fazendo o mesmo com as bonecas, e tentar utilizar todos os utensílios mil-em-um ao mesmo tempo.
Possível é que nesta primeira fase o vendedor olhe para vós com olhos de carneiro mal morto, um leve sorriso nos lábios, como quem pensa “é o milésimo que faz isto, mas eles só fazem porque gostam das peças… Pena que a crise também lhes toque a eles”. Mas não desesperemos. Ainda há muitas secções para visitar, e o chinês ainda há-de suar muito, e fumegar pelos ouvidos. Contudo, a minha tese relativa à loja do chinês, como já vai longa, vai ser dividida por postas. Esta é a primeira. Depois vem a segunda, pela minha lógica. Na segunda abordaremos as restantes secções e reacções dos chineses à nossa visita.
Impacientes? Haja calma! Eu hei-de voltar!

Pintelho

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